terça-feira, 12 de maio de 2009

O passarinho que pensava demais



Passarinho nasceu cheio de energia. Aprendeu o que todos os passarinhos devem saber: andar, voar, cair e levantar, o que comer e o que não comer, localizar o perigo e o abrigo. O tempo passou, e ele continuou aprendendo como era ser um passarinho. Ao mesmo tempo, acostumou-se a observar a família que vivia no quintal de sua casa-árvore.
Eram pessoas que questionavam tudo e não faziam nada sem pensar. De tanto observar, Passarinho aprendeu a ser crítico tanto quanto pássaro. E, como ser crítico parecia ser a coisa mais lógica do mundo, acabou, sem perceber, deixando de ser um pouco pássaro. Sua vida começou a ficar cansativa. Cada mínimo assunto era transformado num turbilhão de pensamentos, numa enxurrada de interrogações e meias conclusões.
Um dia, ele andava meio desiludido, com dor no corpo e no coração... Decidiu, então, matricular-se num curso de vôos distantes.

Mesmo disposto e de coração aberto, Passarinho não conseguia aceitar informações que não dependessem da lógica, nem da razão. Como era possível acreditar no que outro pássaro, professor, dizia, se tudo parecia tão distante do que tinha sido a vida até aquele momento?
E ele, mesmo incomodado, por algum motivo ou força maior, continuou o curso. Brigava com o conteúdo, consigo mesmo, com as contradições que, enfim, surgiam e não tinham como ser explicadas. Ora, como poderia Passarinho viver sem explicações? Era o caos que se instalava dentro dele: um enorme nó no peito que se emaranhava até a cabeça. Nessa ocasião, travou uma importante conversa com outro pássaro, outro professor. Ele era o mais harmonioso de todos; tinha um brilho verdadeiro no olhar e o sorriso mais cativante e acolhedor já visto. Muitos assuntos surgiram.
E Passarinho, como de costume, procurou a lógica e a razão. Fez um esforço danado... Mas não encontrou. Nada fazia sentido, pelo menos, assim, pelo caminho que Passarinho sabia, mas uma coisa, uma única coisa, fora compreendida: era preciso experimentar. Experimentar a vida de verdade, sem brigar com aquilo que se experimentava ou com a experiência em si.
Passarinho precisava de ajuda. O pássaro harmonioso, de alguma maneira, compreendeu aquela criatura e acreditou numa possibilidade.
Nesse dia, ele sentiu-se apenas pássaro e completamente pássaro. Nos dias que se seguiram, encontrou uma força de vontade há algum tempo adormecida.
Durante um ano, Passarinho dedicou-se a aprender tudo o que podia com o pássaro harmonioso. E este lhe ensinou da maneira mais generosa e amorosa já vista. Passarinho cresceu, cresceu lá dentro: no coração e na mente. Percebeu, pela experiência, que flexibilidade, força, equilíbrio, intenção e intensidade vêm de dentro e não de fora, assim como a harmonia, o brilho no olhar e o sorriso acolhedor.

Ah, mas Passarinho aprendeu tantas e tantas outras coisas que, um belo dia, o pássaro harmonioso lhe disse que já poderia voar com as próprias asas. Passarinho sorriu, ficou muito contente; ao mesmo tempo, sentiu um medo enorme daquela afirmação. Seria mesmo verdade?
E lá estava Passarinho com seus questionamentos, análises e críticas. Então, percebeu que havia se aprimorado muito, apesar de ainda não se sentir pronto. Encorajado, observou-se mais e, naquele mês, tomou várias decisões que atestavam seu amadurecimento; em seguida, notou que suas asinhas tornaram-se delicadamente mais flexíveis, e a amplitude que ganhou em cada movimento deu mais equilíbrio, sustentação e harmonia aos seus vôos.

Passarinho sentou-se quieto, fechou os olhinhos e sentiu que seu corpo e sua mente sempre poderiam ir além. Sentiu que poderia, sim, voar com as próprias asas. Também sentiu que poderia sempre aprimorar seu vôo, aumentando a flexibilidade das asas, ou trabalhando a intenção e a intensidade, ou desenvolvendo novas formas de planar e de se equilibrar, ou ampliando sua respiração, ou apenas lembrando que voar é ser passarinho. E voar com leveza e harmonia é ser consciente de que se é passarinho.

Mesmo que esse passarinho não pare de pensar até seus últimos dias, ele resgatou (e jamais se esquecerá disso) o prazer, a consciência e o benefício de ser apenas e completamente passarinho.

quinta-feira, 5 de março de 2009